A inscrição era livre, aberta a todos os restaurantes de Lisboa, divididos em quatro áreas: cozinha de autor, tradicional, do mundo ou sabores ao balcão. Ou seja, o McDonald’s poderia concorrer com a Bica do Sapato e ganhar. Não seria difícil: o McDonald’s concorreu, a Bica do Sapato não. Porquê, terão receado um escrutínio anónimo? Não me atrevo a perguntar. Mas foi assim o primeiro concurso de restauração da capital: o Lisboa à Prova encerrou as hostilidades no passado sábado, com festa na Cordoaria Nacional. E aberto ao público: jantava-se por 5 euros!
Pela primeira vez em Lisboa, os restaurantes decidiram competir abertamente entre si. Mesmo que o façam todos os dias à mesa, através de ementas elaboradas ou preços tentadores, fazê-lo num concurso estreante, cujos resultados foram determinados por um júri anónimo, é arrojado. Mas como disse Carmona Rodrigues no encerramento, “ficaram todos a ganhar”. Odeio concordar com um autarca que chega 80 minutos atrasado a uma cerimónia protocolar, mas Carmona tem razão. Quem participou, ganhou: em publicidade ou em prémios – de uma classificação que ia de 1 a 3 garfos.
Não seria arriscado ficar de fora, apenas uma estupidez. Ao receber 3 garfos, os vencedores abriram um precedente na cidade: a partir de agora, a bem ou a mal, existe uma hierarquia estabelecida. Seja ela corrupta ou incontestável, é uma hierarquia. Mesmo o Eleven, única estrela Michelin de Lisboa, poderia ter optado por não participar numa competição de segunda. No entanto, o Eleven foi à luta e venceu (três garfos). A presença do chefe Joachim Koerper, no encerramento, entre as bancadas rivais, foi também um raro exercício de humildade.
Outros vencedores? O Casino de Lisboa, porque, em seis meses, conseguiu três garfos para o Pragma e dois para o Spot LX, ambos do chefe Fausto Airoldi (ex-Bica do Sapato). O Luca, distinguido com três garfos, surpreende. Ou talvez não. A ementa não é topo de gama, mas o ambiente e serviço valem pelo resto. E, em dois anos, o Luca revolucionou a zona adormecida de Santa Marta. Outro vencedor: Luis Suspiro, que é rei e senhor na Ordem dos Médicos, na Avenida Gago Coutinho, há meses. E a Galeria Gemelli, na Rua São Bento, continua a ser italiano de elite, apesar dos detractores. No dia em que fui, o serviço foi negligente e o chefe Gemelli não estava disponível. “Foi receber mais um prémio”, disseram-me.
Os derrotados foram todos aqueles que, por sobranceria, preferiram não participar. Um deles, o Pap’Açorda, disse ao jornal Público que os “concurzinhos não se coadunam com a sua maneira de ser”. Mesmo que o Pap’Açorda não acredite em concurzinhos, escusa de difamar. Porque para isso sirvo eu.
Para 2008, o Lisboa à Prova precisa de descentralizar os serviços, atacar os arredores (Oeiras, Cascais, Sintra ou margem sul), distinguir restaurantes com menos de 12 meses, e premiar cozinheiros recém-encartados ou sub-30. Mais credibilidade e melhor divulgação, por favor. O meu restaurante favorito, a Charcutaria Francesa, à Praça das Flores, nunca tinha ouvido falar de semelhante iniciativa. O problema de se trabalhar com clientela fixa é que se pode perder o mundo. Erro que o Luca, por exemplo, jamais cometerá. Na festa do sábado passado, os seus responsáveis justificaram a ausência de serviços com um cartaz onde se lia: “Estamos a bulir”. O Lisboa à Prova 2008 começou a bulir na passada segunda feira, sem direito a descanso do pessoal.
Miguel Somsen
1 comentário:
este assunto não diz respeito ao post em questão, mas queria aproveitar para, além de dar os meus parabéns a esta iniciativa, perguntar se alguém sabe o que aconteceu ao site "lisboa abandonada", que deixou de ser actualizado e ao qual já nem é possível aceder.
Lembro-me também que os autores deste site importante também tinham criado a "Associação Vamos Renovar Lisboa", da qual nunca mais ouvi nada.
Porventura, algum dos autores ou leitores saberá melhor o que aconteceu.
Obrigado.
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