sexta-feira, março 07, 2008

DE MANHÃ INVERNO, À TARDE PETIÇÃO

Sábado, 1 de Março. Sobe o sol e os portugueses descem à capital. Milhares deles vêm do condado portucalense participar numa manifestação organizada pelo PCP na baixa lisboeta. Prontamente as autoridades decidem cortar o trânsito a quem aqui mora. Não se pode chegar à Praça do Comércio. Não se pode transitar pela Rua da Prata. Não se pode descer para o Rossio. Não se pode tirar macacos do nariz.

Toca a fazer inversão, meus amigos. Sim, a cidade está novamente entupida, mas o que se há-de fazer? É dia de manifestação, é proibido proibi-los, por isso mais fácil será cortar o trânsito pela raiz. A raiz da cidade? Praça do Comércio e Rossio. Alternativas, senhor guarda? A segunda circular, sei lá. Mais tarde, quando o trânsito se espreguiça e os manifestantes enrolam as bandeiras, é vê-los a encher as dezenas de autocarros estacionados no corredor bus da avenida Infante D. Henrique. Foi uma espécie de piquenicão, mas com mais CO2.

É um milagre chegar ao Chiado na cidade condicionada, mas a Primavera chama. Serei recompensado? Primeiro sinal divino: descubro que “o painel” está recuperado. O painel vandalizado da Antiga Casa José Alexandre, na esquina da Rua Garrett com a Calçada Sacramento, ao qual dediquei uma crónica em Novembro 2007 (edição online: www.metropoint.metro.lu/20071123_NationalPortugal.pdf) foi recuperado pelo município. Envaidece-me pensar que poderá ter sido por minha iniciativa, mas sei que alguém de honra e verticalidade na autarquia se terá antecipado à minha angústia. Apesar de tudo, acredito que o único local seguro para o painel será na esquina da minha sala de estar. Um dia ele lá estará, e serei eu o meliante.

“Quer assinar a petição?”, alguém pergunta. “Qual delas?”, riposto. É uma competição de petições. Só na Rua Garrett são três, e nenhuma contra o “trânsito condicionado” na baixa. A JSD subscreve uma petição contra os recibos verdes. Transcrevo: “Propomos possibilitar o acesso ao subsidio [sem acento na sílaba tónica grave, o que é grave] de emprego aqueles [sem acento gráfico na contracção] que se encontram à [aqui o acento da contracção é correcto, mas trata-se da forma do verbo haver] um ano em situação contratual de prestação de serviços” blá blá blá. Não subscrevi. Mais abaixo, uma petição contra as touradas: www.cidadeantitouradas.org. Finalmente, um tema sério que merece reflexão cuidada (algo que infelizmente eu ainda não aprendi a fazer).

O que sei: este país está dividido entre pessoas que são a favor de touradas e pessoas que são contra as touradas mas engasgam-se quando têm de apresentar uma argumentação lúcida para suportar a sua causa. As pessoas contra-dizem: “Não façam mal aos animais”. As a favor contra-atacam: “Mas tu comes carne”. E pior: “Tens de ver ao vivo, vais adorar”. Qual deles mais básico? Eu sou contra as touradas porque sou contra um espectáculo centrado no sofrimento e na morte Entre matar a vaca para comer (hipocrisia) e matar o touro para o espectáculo (sadismo) prefiro o primeiro. Até porque para o segundo já temos os massacres dos telejornais.

Miguel Somsen


In Metro

1 comentário:

Anónimo disse...

Mas é natural, é apenas natural, que um povo cobarde, embrutecido, habituado a servir, se deleite com o obsceno sofrimento imposto a um animal sem hipótese de fuga e privado das suas defesas naturais. "Lidado" até que os ferimentos e o cansaço acabem, para todos os efeitos, com ele.

Por momentos é como se se produzisse uma inversão de papéis.

Cruel, estúpido, injustificável, mas infelizmente natural. Depois vão para casa e ensinam aos filhos certa canção que reza "atirei o pau ao gato / mas o gato não morreu (...)".

É o que temos. É o que somos. Desgraçadamente.

Costa