sábado, junho 28, 2008

AINDA OS EXCÊNTRICOS DA BAIXA E CHIADO

AINDA OS EXCÊNTRICOS DA BAIXA E CHIADO

Um leitor enviou-me um e-mail a perguntar se hoje ainda havia, pelo Chiado e pela Baixa, excêntricos e figuras características como o "Burnay de pataco", o "procurador-geral da coroa" que corria os cafés e restaurantes da zona a pedinchar moedas de cinco tostões, nas primeiras décadas do século XX, e que levantei do pó dos mortos na crónica da semana passada.

Penso bem que não. O último excêntrico genuíno, digno desse nome, que pisou as calçadas do Chiado e da Baixa, deve ter sido Arnaldo Ferreira, o grande pintor de Lisboa, o "noivo eterno" sempre irrepreensivelmente vestido, que sobressaltava os clientes da Bertrand, as senhoras do chá e dos bolos da Bénard e os turistas de calções e máquina fotográfica ao pescoço, com os seus gritos de "Canalhas! Biltres!", dirigidos sabe-se lá a quem. Morreu há oito anos e não teve sucessor.

Também já lá estão os dois tontinhos dos Restauradores e do Rossio, o que fazia ordem unida no perímetro entre o Éden (hoje um hotel) e o Condes (hoje Hard Rock Cafe), com caricas coladas na lapela do casaco a fazer de condecorações, e o que relatava alto os jogos de futebol, completos e com todos os jogadores certos, pondo uma lata de conservas ao ouvido a fazer de transístor e sempre a correr de um lado para o outro. Mas já ninguém ouve os relatos da bola em transístores, nem sequer os tontinhos.

Um dos maiores excêntricos dos tempos de glória da Baixa e do Chiado - e amparo-me de novo em O Chiado Pitoresco e Elegante, de Mário Costa - até foi colaborador regular do DN. Francisco Leite Bastos, jornalista e dramaturgo, entre escrever peças e vir ao jornal entregar a sua crónica, andava caricatamente vestido e corria as ruas metido num carrinho puxado por um cavalo cadavérico, uma lamentável pileca. Leite Bastos detinha- -se em tudo que era taberna para escorropichar copos de vinho, e também dava a beber ao animal, que abraçava e beijava, como se fosse um familiar próximo ou um amigo do peito. Um dia, abriu uma casa de penhores que rapidamente faliu, porque o principal cliente era ele.

Outro, erudito ilustre, era o arqueólogo e numismata Teixeira de Aragão. Deslocava-se de cavalo para toda a parte, e era a cavalo que entrava em casa, para espanto dos transeuntes e grande gozo da vizinhança. Um dia que tinha marcado um encontro à porta de casa com um amigo, circunspecto professor da Universidade de Coimbra, atrasou-se e, quando chegou, já tinha a visita à espera dele. Teixeira de Aragão desceu da montada, abriu a porta, mandou o esbugalhado amigo entrar e depois voltou a montar no cavalo e entrou ele, para não fugir à regra.

E que dizer do boémio, elegante e desocupado de profissão Domingos Ardisson? Tinha um tal orgulho na sua barba loira, que nos dias em que ventava muito, e para que não ficasse "desarrumada", metia-a num saco que atava à cabeça, e assim se passeava pela Baixa e pelo Chiado, a cumprimentar a gente conhecida.

Sombras e fantasmas de patuscos, pândegos e castiços de uma Lisboa que já passou.
Eurico de Barros no DN
(Isabel G)

4 comentários:

Anónimo disse...

Caros amigos!
Li com atenção este excerto dos excentricos de Lisboa (Baixa e Chiado).
Por incrivel que pareca, ainda sou do tempo do "noivo" a passar na rua Garrett aos saltos e a falar alto para as pessoas que se encontravam nos cafés (Chiado ou Brasileira) a mandá-las trabalhar...Calões, não fazem nada etc.
"Bons tempos" que não voltam...
Gostei muito, aliás isto fáz parte da nossa história alfacinha.
Não tinha conhecimento que o "NOIVO" se chamava Arnaldo Ferreira.
Um abraço de amizade
APS

Anónimo disse...

De seu nome Arnaldo Benavente Ferreira, (1923-2000), um dos maiores pintores de Lisboa do Séc XX, pintava a Lisboa nocturna, sem vivalma, e tem quadros seus no Museu da Cidade e em colecções privadas nacionais e estrangeiras.
A CML homenageou-o com a Medalha de Mérito Municipal, Grau Ouro.
Na Alta de Lisboa existe uma rua com o seu nome. O «Noivo Louco» foi um dos últimos românticos lisboetas do Chiado do Séc. passado.

Anónimo disse...

MEDALHA DE MÉRITO MUNICIPAL (OURO):

Proposta aprovada de concessão da Medalha de Ouro de Mérito Municipal a Arnaldo Ferreira:

132ª Reunião da Câmara Municipal de Lisboa,
em 21 de Setembro de 2005

Deliberação nº 607/CM/2005 (Proposta nº. 607/2005) Subscrita pelo Sr. Presidente:
Aprovar a atribuição da Medalha de Mérito Municipal, Grau Ouro, ao Pintor Arnaldo Ferreira, nos termos da proposta; Aprovação: (Aprovada por unanimidade)

TEXTO da PROPOSTA N.º 607/2005
Considerando que, através da Proposta n.º 85/94, foi atribuída Medalha Municipal de Mérito ao pintor Arnaldo Benavente Ferreira, sendo que o grau da mesma seria definido em momento posterior;

Considerando que, até este momento, não foi emitido qualquer parecer definindo o grau da Medalha Municipal de Mérito a atribuir ao referido pintor;

Considerando que Arnaldo Benavente Ferreira é considerado um dos maiores pintores do século XX, tendo dedicado toda a sua vida artística à cidade de Lisboa, retratando na sua maioria os bairros e as zonas mais características da noite lisboeta;

Considerando o disposto no artigo 8.º do Regulamento da Medalha Municipal, aprovado pela Assembleia Municipal em 15 de Fevereiro de 1988 (Edital nº. 30/88) que estabelece “A Medalha Municipal de Mérito destina-se a distinguir as pessoas singulares ou colectivas, nacionais ou estrangeiras, de cujos actos advenham assinaláveis benefícios para a Cidade de Lisboa, melhoria nas condições de vida da sua população, desenvolvimento ou difusão da sua arte, divulgação ou aprofundamento da sua história, ou outros de notável importância que justifiquem este reconhecimento”;

Considerando que, sob Proposta da Câmara Municipal (nº. 92/90), a Assembleia Municipal aprovou a criação do Conselho da Medalha Municipal, a quem compete, designadamente, dar “parecer prévio obrigatório e fundamentado sobre a atribuição das Medalhas Municipais de Honra da Cidade, Mérito e de Valor e Altruísmo”.

Considerando o parecer emitido por unanimidade pelos membros do Conselho da Medalha Municipal no sentido da atribuição da Medalha Municipal de Mérito, Grau Ouro;

Tenho a honra de propor que a Câmara delibere:

A atribuição da Medalha Municipal de Mérito, Grau Ouro, ao pintor Arnaldo Benavente Ferreira, nos termos do disposto no artigo 8.º do Regulamento da Medalha Municipal, aprovado pela Assembleia Municipal em 15 de Fevereiro de 1988 (Edital nº. 30/88).

Paços do Concelho de Lisboa, aos 20 de Setembro de 2005,

O Presidente da Câmara Municipal de Lisboa (António Carmona Rodrigues)


Alguns quadros a preto e branco podem ser vistos no URL:
http://misantropoenjaulado.blogspot.com/2006_03_01_archive.html

Para que a história se faça,
Mafalda de Sampaio

Anónimo disse...

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