Ao contrário da habitual lide de intelectuais, que denuncia a actividade asséptica da Autoridade (Francisco José Viegas, no Jornal de Notícias, comentava com propriedade o facto de “um amigo romancista ter dedicado dois livros à ginja”), a mim não me apetece julgar ou questionar a autoridade que a Autoridade tem para fazer o que faz e como faz. Afinal, este país precisa mesmo de uma limpeza valente – e os agentes da Autoridade são uns valentes. Eles metem medo ao susto e os comerciantes portugueses estão aterrorizados. A Santa Casa da Misericórdia de Faro, receando uma visita da Autoridade, dedidiu abandonar a sua ementa inspirada em “dieta mediterrânica”, com o peixe fresco da Ria Formosa a ser substituído por peixe congelado. Será a ASAE a nova PIDE? Não exageremos. Eu sou a favor de umas limpezas aqui e ali: gostaria que a ginja da Ginjinha não tivesse caroços ou que o cinema Quarteto comprasse lençóis novos para utilizar como tela. Se pudesse, pedia à ASAE para fechar a boca do Scolari ou as portas a Robert Mugabe, que vem de visita a Portugal.
Claro que não me assusta a Autoridade, o que me assusta são os autoritários. Não me surpreende que os agentes da ASAE exerçam o poder que lhes foi instituído, apenas me chateia que eles tenham a tendência para abusar dos poderes extensíveis que acreditem existir como regalia profissional. Estou a imaginar o diálogo entre um agente da ASAE que queira passar-me à frente na fila para mesa na Cervejaria Ramiro e o respectivo empregado: “Tem a certeza que aquelas ostras de Setúbal são frescas?”. Responde o empregado: “Sô doutor, há quanto tempo não o víamos cá, a sua mesa está pronta!”. Isto não pode ser assim, mas é assim mesmo. Os portugueses são a favor da ASAE porque são a favor de qualquer Autoridade que ponha ordem nisto (e porque têm medo da autoridade). É também por esta ordem de ideias que os intelectuais são contra, porque a desordem dá melhores crónicas que o contrário (é a autoridade deles). Por isso, a ASAE não dá tréguas. Uma notícia recente no Correio da Manhã assinalava o facto da Autoridade ter encerrado 47 estabelecimentos de uma só vez. Comentário de uma das leitoras: “Conheço um restaurante em que o empregado de mesa anda a servir com uma unha partida e a outra do dedo mindinho é muito grande, mas ele diz que é para coçar o ouvido. A ASAE não pode intervir aqui, visto que aquilo me fere um bocado a vista?”.
Pelo sim pelo não, vou já lavar a loiça.
Miguel Somsen
4 comentários:
Desculpem a minha opinião, meio "estrangeirice", mas acredito que a limpeza da cozinha de um restaurante, se vê por a limpeza.....das casas de banho.
E por esse cantinho da Europa....ui, ui, há muito que limpar. Ou se há.
JA
A cruzada anti-ASAE é sintomática de quão profundamente a mentalidade portuguesa está ainda longe, mas a léguas (ainda nem usa as unidades do Sistema Internacional...), da Europa de hoje...
Se a ASAE fizesse mesmo tudo o que tem a fazer...
Eu acho que este assunto acabará por morrer à portuguesa - por duas boas razões;
Primeira: Várias notícias nos têm dado conta que a burocracia tem impedido que os processos que a ASAE instaura andem para a frente. As multas não são aplicadas
Segundo: A melhor de todas é a de que nos dá conta, hoje, o «JN»
http://jn.sapo.pt/2007/12/06/primeiro_plano/investigacao_policial_crise_falta_me.html
Também considerada órgão de polícia criminal, até a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) fez chegar à Inspecção-Geral daquele organismo um pré-aviso de greve por tempo indeterminado, a partir do próximo dia 20, denunciando a falta de pagamento de horas extraordinárias.
A palavra "cruzada", no que tem implícito de fundamentalismo e intolerância, é aplicável - isso sim - a quem proíbe coisas como flores naturais nas jarras dos restaurantes...
Já agora, veja-se como António Barreto, que também abordou esse assunto criticamente, responde, hoje mesmo, a que usa esses argumentos [ver aqui]
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