quinta-feira, maio 08, 2008

A ENDIREITA O SÍTIO

Tudo parece indicar que a dr.ª Manuela Ferreira Leite será a próxima dirigente máxima do PSD. Mas, também, que não conseguirá apaziguar a gataria infrene, representativa de interesses e favores, que se acolheu no partido, e à qual a respeitável senhora designa, piedosamente, de "interclasses". A candidata, com incansável melancolia, declarou que nesse molde formara Sá Carneiro o então PPD. A caução será conveniente, mas a história não é bem essa. A agremiação procede de um almofariz onde se misturaram um vago antifascismo de retiro, um republicanismo de tertúlia, o velho liberalismo do Norte e um diligente sortido de padres. Podíamos revolver céu e terra que nunca descobriríamos o mais leve resquício de ideologia no PPD, uma lacónica doutrina social, a não ser vagas noções de defesa dos desafortunados e a alegação de uma liberdade cautelar.

Sá Carneiro cedo percebeu a avaria. O partido não era socialista, não era social-democrata, não era demo-cristão. A Internacional Socialista recusou a sua inclusão, mas foi esfuziantemente recebido no Partido Popular Europeu, da sagrada família das direitas. Às páginas tantas, cansado de enfrentar a intriga permanente e de tentar acalmar a avidez dos "barões", de que fora progenitor, Sá Carneiro bateu com a porta. Pretendia voltar e "regenerar" a coisa, tornando-a, pelo menos, consistente. É a partir daí, e adicionando-se o facto de ter morrido jovem, que o seu discurso foi transformado em dogma e a sua figura em idolatria. Mas era um homem tenaz, de temperamento autoritário, convencido de que a História esperava dele gloriosos feitos. Conheci-o razoavelmente e apreciava-lhe a forma, o impulso inteligente e a curiosidade activa. Estou em crer que o encontro com Snu Abecasis foi decisivo no seu desenvolvimento intelectual e político. "Abriu-lhe o coração e revelou-lhe o mundo", disse Natália Correia.

Reconhecera que, não existindo ideologicamente, o PSD era uma imponderabilidade. Temos assistido, ao longo dos anos, à funesta decadência do partido, vogando no incerto oceano das contingências. Manuela Ferreira Leite, ex-ministra da Educação e das Finanças, cujos méritos são muito discutíveis, aparece como a "endireita o sítio". Em termos políticos é uma ficção. Os que a apoiam, sem compreender que o mundo mudou, somente auspiciam que a senhora consiga juntar os cacos. Para quê? O PSD move-se numa insuficiência de realidade e existe nos limites do dizível: é um partido desamparado e sem emenda.

NO MOMENTO: Marcelo Rebelo de Sousa insiste em dizer "há meses atrás" e "precaridade" em vez de precariedade, associando-se a outros políticos, jornalistas e pivôs, que mantêm o mesmo espinoteante tolejo e acrescentam-lhe "competividade" em vez de competitividade.


Baptista-Bastos
In Diário de Notícias

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