O que aconteceu? Antigamente, os filmes aguentavam-se três semanas em cartaz, sem esforço. Hoje parece ser uma angústia a distribuidora mantê-los em exibição por mais três dias. Talvez hajam filmes a mais e cinema a menos no mundo, mas esse mundo não tem a ver com a situação portuguesa. A situação portuguesa é a Lusomundo. Não a Lusomundo como monopólio aglutinador de distribuição nacional (embora também), mas a Lusomundo como detentora da quase totalidade das salas de cinema em Portugal: os chamados multiplexes, cinemas de centros comerciais, representam provavelmente 95 por cento do mercado português de exibição e quase todos eles pertencem à Lusomundo. Excepções: as salas de Paulo Branco, da Castello Lopes, e alguns pequenos cineclubes ou cinemas de bairro. O Quarteto continua fechado? Alguém se interessa? É aqui que eu quero chegar.
Recapitulemos. Anos 70, cinema americano de autor atinge seu último esplendor. Anos 80, Spielberg descobre o target infantil e o cinema adulto morre. Como contrapartida, surge o videogravador, que permite aos pais ver, em família, os filmes com Tom Hanks e Sally Field. Em Lisboa, as grandes salas de cinema esvaziam-se, fecham as portas. Morre o grande espectáculo social que é a ida ao cinema. Quando, nos anos 90, os centros comerciais aparecem a vender o argumento de que “os grandes filmes devem ser vistos em grandes salas”, o público já é outro – e bem pequenino. Hoje, o comportamento do espectador na sala de cinema é a extensão do espectador na sala de estar – ruidoso, conversador, distante. Se a Lusomundo não tivesse instalado fabulosos sistemas de som nas salas, a única coisa que ouviríamos nas sessões seria o sensurround da pipoca, o dolby dos telemóveis e o THX da risota na fila da frente.
Devemos culpar a Lusomundo pela imbecilização da sociedade portuguesa? Não, mas podemos alertá-la (a Lusomundo, não os imbecis): “Meus caros: a excelência e diversidade do vosso catálogo não são compatíveis com a política de distribuição formatada, dependente da arbitrariedade e dormência do público de multiplex. Por isso, proponho que V.Exas criem um circuito de exibição alternativo que garanta longevidade aos vossos clássicos, como outrora aconteceu quando O Carteiro de Pablo Neruda esteve um ano em exibição no cinema Mundial”. Talvez assim possamos evitar textos como os da crítica de cinema do New York Times, Manohla Dargis, sobre um dos vinte filmes que a Lusomundo vai estrear em Janeiro – o romeno 4 Meses 3 Semanas e 2 Dias (vencedor de Cannes): “Este é um daqueles filmes difíceis que os produtores gostam de usar como prova do desfazamento entre a crítica e o público, quando afinal é o público que está desfazado do grande cinema. Os americanos consomem imenso lixo, mas a principal razão está no facto de não lhes serem oferecidas alternativas”.
Miguel Somsen
3 comentários:
Pois é....mas o lixo é oferecido a quem o quer consumir, e por as regras do mercado quem no futuro quiser ver um filme de qualidade, vai ter que visitar a cinemateca, o festival de cinema, e uma ou outra salinha com a corda ao pescoço....ou o DVD em casa. Sorry, mas a lavagem cerebral dos 80/90 está aqui para ficar. Na Suécia o lucro do "balde de pipocas" é superior ao do bilhete de cinema...e quem é que vai remar contra esta maré?
JA
O pior é que há evidente abuso de posição dominante, o que contraria as directivas comunitárias. Pior, ainda, é que em Portugal ninguém corrija a situação, que se arrasta há décadas, com prejuízo de quem já está farto de ver sempre os mesmos filmes e às miseráveis salas dos centros comerciais. Para quando uma intervenção no mercado de distribuição e exibição, Srs. eleitos?
O paradoxo das vaquinhas sagradas, "concorrência" e "mercado livre", tende ir parar a...."posição dominante". E sem intervenção alguma....estamos lixados.
JA
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