[Público 08 janeiro 2008]
Pois é. Acabei o ano de 2007 convencido de que eles sabiam do que estavam a falar. E depois chegou 2008.
Num site de literatura científica chamado Edge pergunta-se a umas dezenas de pensadores e autores sobre o que mudaram de ideias recentemente. Uns trocaram de teorias, outros abandonaram opiniões sobre a forma do universo, outros sobre as possibilidades de vida fora da Terra ou os limites da inteligência artificial.
Mais modestamente, eu acabei o ano de 2007 convencido de que dois historiadores portugueses com obra publicada sobre o século XX— José Pacheco Pereira e Vasco Pulido Valente — sabiam alguma coisa sobre o fascismo. No caso de Vasco Pulido Valente, essa certeza era reforçada pelo facto de o próprio ter reiteradamente polemizado daquela forma que só ele sabe polemizar — chamando ignorantes e analfabetos a todos os outros — sobre o que se pode ou não chamar de fascismo.
Mais precisamente, Vasco Pulido Valente ameaçava aniquilar com o verbo quem se permitisse chamar “fascismo” à ditadura de Salazar — uma ditadura que censurava, prendia e torturava os seus opositores. Pacheco Pereira indignou-se por ter havido quem chamasse “fascista” a George W. Bush, — isto por causa de Guantánamo, do Patriot Act e da Guerra do Iraque. E eu levei-os a sério.
E agora descubro que estes mesmos historiadores não tiveram dúvidas em classificar como “fascista” a nova lei do tabaco. Não lhe chamaram exagerada, mal concebida ou uma série de coisas que, concebivelmente, se poderiam dizer acerca de uma lei que transforma espaços que eram por regra de fumadores em espaços de não-fumadores. Não: fascista é que é. E podemos ir mais longe. Helena Matos ou António Ribeiro Ferreira acham que “fascista” não chega: a nova lei é “totalitária”. Totalitária! Como os regimes de Hitler, Staline e Pol Pot. Viva a exactidão.
Pois é. Acabei o ano de 2007 convencido de que eles sabiam do que estavam a falar. E depois chegou 2008.
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Mas não é só o fascismo. É também a perseguição aos católicos. Segundo Vasco Pulido Valente, a igreja é capaz de ter de viver novos tempos de clandestinidade, isto porque em Espanha o primeiro-ministro Zapatero acabou com a obrigatoriedade da disciplina de Religião e Moral (em Portugal já é opcional há décadas), permitiu o casamento homossexual ou facilitou o divórcio. Pelo escândalo, dá para perceber que Pulido Valente acha (justamente) legítimo que a igreja organize uma manifestação contra o governo. Mas se um porta-voz do governo lhe responder isso já prenuncia uma vontade de silenciar a igreja católica espanhola, no seu próprio país. Ora, toda a gente perdoa a Vasco Pulido Valente desconhecer o Portugal actual. Mas podia ao menos conhecer a Espanha.
Já agora: também por aqui, no nosso Portugal, a Igreja pode ter de se preparar para regressar às catacumbas. Segundo o Correio da Manhã, o governo até vai tirar os nomes dos santos às escolas. Verdade?! Não: Correio da Manhã. Para as escolas que ainda não têm nome, o governo propõe às suas assembleias que escolham nomes de “uma personalidade de reconhecido valor, que se tenha distinguido no âmbito da cultura, da ciência ou educação”. Não se percebe para que é preciso tanta sugestão. Mas faltava de facto uma linha dizendo que “nomes de santos católicos também valem!”, isto para toda a gente perceber que Santo António de Lisboa, São Tomás de Aquino ou São Bartolomé de las Casas cabem nas propostas. Bem como São Remígio e Santa Radegunda, que protegem contra as febres altas.
Valha-nos que para provar que vivemos numa era anti-cristã o governo aproveitou o Natal para anunciar a localização do novo hospital de Lisboa. Que se vai chamar: de Todos-os-Santos. Verdade? Verdade.
Rui Tavares
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