quinta-feira, julho 10, 2008



LNEC não quer que Picadeiro Real volte a receber cavalos
Casino paga na íntegra novo Museu dos Coches -
10.07.2008, Andreia Sanches-PUBLICO
A ideia é que tudo esteja pronto a 5 de Outubro de 2010. A construção da nova unidade museológica é pensada para coches brilharem

"Simples" e "sóbrio" para que "os coches brilhem com todas as suas cores delicadas, os seus tecidos, os couros, os arreios". É assim o novo Museu Nacional dos Coches, em Belém, Lisboa, explicou ontem o prestigiado arquitecto brasileiro que assina o projecto. Num dos pavilhões do terreno das antigas Oficinas Gerais do Exército, onde o edifício nascerá, Paulo Mendes da Rocha explicou com palavras simples uma obra que o Governo acredita que ajudará a criar "uma nova centralidade turística" em Lisboa.
Mendes da Rocha começou por contar que ficou "aflito" com o convite do ministro da Economia português, Manuel Pinho, para desenhar o novo espaço que acolherá as viaturas de gala e de passeio dos séculos XVII a XIX, na sua maioria provenientes dos bens da coroa. Afinal, elas são "um tesouro incomparável", explicou.
Passada a aflição, ontem foi dia de apresentar publicamente a maqueta do novo museu numa cerimónia presidida pelo próprio Manuel Pinho - de resto, tem sido ele a liderar todo este processo. E a razão para esse facto, segundo fez questão de explicar o ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, também presente, é simples: a obra (cerca de 31,5 milhões de euros) será totalmente financiada pelas contrapartidas pagas pelo Casino de Lisboa. "São contrapartidas dadas à cidade de Lisboa, provenientes de verbas do jogo, que são verbas do Turismo."
Pinto Ribeiro lembrou também que toda a planificação começou muito antes dele assumir funções. Ou seja: o ministro da Economia, acrescentou a sorrir, é o verdadeiro "dono da obra".

"Levantado do chão"
Mendes da Rocha disse algo semelhante: "Se eu inventei o museu, o arquitecto foi o ministro que inventou, porque foi ele que me convidou, é ele o responsável por isto." Perante uma plateia com muitos arquitectos, Manuel Pinho não escondia a satisfação. "Esta é uma obra emblemática, com características únicas, que respeita a cidade." O objectivo é que tudo esteja pronto no dia 5 de Outubro de 2010, dia da Implantação da República.
Que obra é esta então que será erguida junto à Avenida da Índia, muito perto do Picadeiro Real onde o museu funciona desde 1905? Descrição de Mendes da Rocha: "Demos um carácter à construção de elevá-la do chão para livrar todo o espaço para a convivência pública, para o passeio a pé, para a convivência com os cafés, as livrarias, as lojas da Rua da Junqueira".
Todo o complexo está pois "levantado do chão", como que "em suspenso", e sustenta-se em pilares. "Um anexo, onde ficará a administração, instalações de apoio, um auditório, um restaurante, estará ligado ao museu por uma ponte aérea", disse ainda o arquitecto. E haverá uma outra "passagem aérea pedestre" que atravessa a Avenida da Índia e faz a ligação à estação fluvial de Belém.
O acesso ao museu será feito exclusivamente por dois elevadores com capacidade para 75 pessoas que estarão dentro de "uma caixa de cristal, no sentido em que é transparente". Para além dessa caixa, "o museu vai possuir um outro estojo fechado, digamos assim, para as oficinas".
O novo espaço ocupará no total 15.177 metros quadrados. "Será um local único a nível nacional e europeu", garantiu o ministro da Cultura.
Tem estado a correr na Internet um abaixo-assinado para salvar a biblioteca, o arquivo e as publicações do antigo Instituto Português de Arqueologia (IPA), fundido há um ano no Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico. Os serviços do antigo IPA estão situados no local onde nascerá o novo Museu do Coches. E albergam, entre outros, a melhor biblioteca de arqueologia do país. O ministro da Cultura, Pinto Ribeiro, garantiu que estão a ser estudadas soluções. Algumas peças serão brevemente transferidas para zonas próximas - "As peças que precisam de estar dentro de água irão provavelmente para instalações do Museu da Marinha, a partir de Setembro, ou para outras instalações da Marinha." Quanto à biblioteca, afirmou: "Queremos recuperá-la, tudo isto aqui próximo".
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A possibilidade de devolver ao Picadeiro Real - onde desde 1905 funciona o Museu dos Coches - as suas antigas funções já recebeu pareceres negativos. Em 1996, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) considerou que voltar a realizar espetáculos equestres regulares no salão nobre do edifício "não é compatível" com a preservação do mesmo. Ontem, o Bloco de Esquerda pediu explicações urgentes ao ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro.
Há muitos anos que se fala da possibilidade do Picadeiro - construído entre 1787 e 1816 - voltar a receber espetáculos. Em 2006, a intenção voltou a ser anunciada pelo Governo que fez saber que iria devolver àquele local "a sua função original, para receber exibições da Escola Portuguesa de Arte Equestre", enquanto o novo Museu dos Coches seria instalado num edifício novo. Ontem, o ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, garantiu que nada está decidido, que tudo está a ser estudado. "O edifício que alberga os coches vai ter um destino em função do que for determinado. Há um outro espaço, que é o Quartel do Conde de Lippe, que tem um picadeiro e que podia ser utilizado para esse fim", admitiu.
O relatório provisório do LNEC, de 1996, feito a pedido do Instituto Português de Museus, refere que, dadas as características do edifício, deixar que o seu salão passe a ser palco regular de espetáculos com cavalos com "bastantes pessoas" a assistir terá uma consequência: "a existência de variações mais ou menos bruscas das condições ambientais", nomeadamente ao nível da temperatura, humidade relativa e luminosidade, as quais "têm, necessariamente, repercussões no comportamento dos elementos de construção, nomeadamente nos de madeira e nos de estuque de gesso".
Um outro parecer, feito na mesma altura, da restauradora Anna Maria Marcone, do Instituto Centrale per il Restauro, do Ministério da Cultura italiano, concluiu que "parece incompatível com uma boa conservação" das pinturas sobre tela do salão "o reestabelecimento do picadeiro".
O deputado do BE José Soeiro apresentou na Assembleia da República um pedido de explicação urgente ao ministro: "Por que razão esses relatórios nunca foram tornados públicos? O Governo pretende, mesmo assim, insistir na construção do Picadeiro no Salão do Museu dos Coches? O Governo considera que a preservação do edifício e da sua ornamentação deve ser sacrificada em nome de eventuais interesses económicos e turísticos?"
Ontem, Pinto Ribeiro disse que não conhecia ainda as perguntas do BE. Mas garantiu que todos os estudos serão considerados na hora de tomar uma decisão final. "

(Isabel G)

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