"Esta semana, recebi um telefonema da Polícia Municipal de Lisboa. Um simpático agente inquiriu-me sobre "o problema do barulho" e "a queixa que eu tinha feito". Perguntei ao senhor se estava a gracejar. Afinal, a reclamação em causa, efectuada junto da linha azul do lisboeta na noite de Santo António, dizia respeito a uma rave montada na rua onde resido. Redobrando a simpatia, o agente certificou-me de que "o expediente" só teria chegado à Polícia Municipal "após passar em vários serviços" - ou seja, quase um mês depois da ocorrência.
A anedota é uma boa caricatura do funcionamento da estrutura que gere a cidade, uma caricatura que vem muito a propósito na semana em que um prédio ardeu de alto a baixo na Avenida da Liberdade, convocando o pavor do incêndio que há 20 anos consumiu parte do Chiado. Sabe-se que o prédio ardido é propriedade de um banco e tem um projecto de hotel na autarquia desde 2006. Porquê há dois anos? Parece, segundo a autarquia, que falta lá no processo não sei o quê. Mas dois anos não é nada. Na Rua da Madalena, aquela rua da Baixa pombalina que o executivo de Santana Lopes fechou de 2003 a 2005 "para a tornar mais bonita", há dois prédios devolutos há mais de cinco anos. Um encontra-se no quarteirão da Igreja da Madalena, entaipado e em anunciado risco de derrocada - devido ao qual foi construída uma passagem de madeira para peões que entretanto apodreceu e foi fechada, obrigando os transeuntes a caminhar na faixa de rodagem. O outro é já só paredes e está situado na esquina da Rua do Comércio.
Há motivos para isto, dir-se-á: projectos não licenciados, gente que não sabe o que quer fazer dos edifícios ou que espera a oferta milionária, etc. Sucede que, no resto da Rua da Madalena, proprietários de edifícios habitados, muitos deles depauperados por décadas de rendas irrisórias, foram notificados para efectuar obras obrigatórias. Algumas dessas obras foram efectuadas coercivamente, correspondendo a uma expropriação prática. Que terá levado, pois, a que estes dois prédios se mantenham assim, naquele estado, numa zona que é património nacional classificado desde 1978 e que periodicamente se prefigura como candidata a património mundial? Em que sonolentos gabinetes andarão aqueles processos?
A resposta, qualquer que ela seja, só tem um significado: ninguém quer saber. Como ninguém quis saber das queixas efectuadas pelos vizinhos do número 21 da Avenida da Liberdade quanto ao estado do imóvel e ao facto de ter as portas abertas. Como ninguém quer saber do estado deplorável de grande parte dos passeios e das faixas de rodagem da cidade, a começar pela zona central, a da Baixa, cujo piso é digno de qualquer cidade bombardeada. Uma zona onde, recorde-se, se situam os Paços do Concelho.
Não há dinheiro? Pois parece que não. Uma parte considerável dele deve servir para pagar os ordenados das pessoas que dormitam nos gabinetes, enquanto a cidade morre. As pessoas que não sabem nem querem saber, e por cujas indolentes mãos passa, sem sobressalto, o expediente de uma queixa da noite de Santo António, até que, um mês depois, se pergunte à reclamante porque reclama. E se arder, ardeu. "
A anedota é uma boa caricatura do funcionamento da estrutura que gere a cidade, uma caricatura que vem muito a propósito na semana em que um prédio ardeu de alto a baixo na Avenida da Liberdade, convocando o pavor do incêndio que há 20 anos consumiu parte do Chiado. Sabe-se que o prédio ardido é propriedade de um banco e tem um projecto de hotel na autarquia desde 2006. Porquê há dois anos? Parece, segundo a autarquia, que falta lá no processo não sei o quê. Mas dois anos não é nada. Na Rua da Madalena, aquela rua da Baixa pombalina que o executivo de Santana Lopes fechou de 2003 a 2005 "para a tornar mais bonita", há dois prédios devolutos há mais de cinco anos. Um encontra-se no quarteirão da Igreja da Madalena, entaipado e em anunciado risco de derrocada - devido ao qual foi construída uma passagem de madeira para peões que entretanto apodreceu e foi fechada, obrigando os transeuntes a caminhar na faixa de rodagem. O outro é já só paredes e está situado na esquina da Rua do Comércio.
Há motivos para isto, dir-se-á: projectos não licenciados, gente que não sabe o que quer fazer dos edifícios ou que espera a oferta milionária, etc. Sucede que, no resto da Rua da Madalena, proprietários de edifícios habitados, muitos deles depauperados por décadas de rendas irrisórias, foram notificados para efectuar obras obrigatórias. Algumas dessas obras foram efectuadas coercivamente, correspondendo a uma expropriação prática. Que terá levado, pois, a que estes dois prédios se mantenham assim, naquele estado, numa zona que é património nacional classificado desde 1978 e que periodicamente se prefigura como candidata a património mundial? Em que sonolentos gabinetes andarão aqueles processos?
A resposta, qualquer que ela seja, só tem um significado: ninguém quer saber. Como ninguém quis saber das queixas efectuadas pelos vizinhos do número 21 da Avenida da Liberdade quanto ao estado do imóvel e ao facto de ter as portas abertas. Como ninguém quer saber do estado deplorável de grande parte dos passeios e das faixas de rodagem da cidade, a começar pela zona central, a da Baixa, cujo piso é digno de qualquer cidade bombardeada. Uma zona onde, recorde-se, se situam os Paços do Concelho.
Não há dinheiro? Pois parece que não. Uma parte considerável dele deve servir para pagar os ordenados das pessoas que dormitam nos gabinetes, enquanto a cidade morre. As pessoas que não sabem nem querem saber, e por cujas indolentes mãos passa, sem sobressalto, o expediente de uma queixa da noite de Santo António, até que, um mês depois, se pergunte à reclamante porque reclama. E se arder, ardeu. "
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(ISABEL G)
1 comentário:
«Parece, segundo a Autarquia, que falta lá no processo não sei o quê.»
Ah falta, não é? E de quem é a culpa?
Parece, segundo a Autora, que afinal a Autarquia é que é a culpada de o Processo estar deficientemente instruído! Que lindo...
Pois assim é, na maior parte dos casos, o "povo" decide logo culpar a instituição que é suposta zelar pelo INTERESSE PÚBLICO, sem se preocupar minimamente em averiguar se a culpa, em bom rigor, não estará antes do lado do agente privado, do "promotor imobiliário" espertalhão, ou incompetente, que não sabe (ou não quer!) instruír os Processos correctamente e se aproveita do laxismo e da lentidão das autoridades municipais para, a pouco e pouco, acabar por "levar a água ao seu moínho", em prejuízo, ora bem, do tal INTERESSE PÚBLICO, que obriga ao cumprimento de normas (que chatice...), ao respeito de Regulamentos (um atraso de vida, é o que é...), etc., etc....
Este Artigo é a prova provada de como as aparentemente "boas intenções" muitas vezes apenas abrem caminho directo para encherem o "Inferno"...
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