sexta-feira, abril 18, 2008

SENHOR PRESIDENTE DA CÂMARA...

... V. Exa. deve-me dinheiro e explicações. A mim e aos seus eleitores. Vou apresentar-lhe primeiro as minhas despesas e logo a seguir as razões para esta reivindicação: dez euros pela bandeirada de táxi da oficina onde o meu automóvel fez a peritagem até ao meu local de trabalho; seis euros (valor aproximado) pelos litros de combustível utilizado, e a utilizar, no transporte da viatura para o local de reparação (sem incluir a especulação do preço do barril de petróleo e emissão de gases para a atmosfera); vinte euros por aluguer diário previsto de carro de substituição (com envio de factura pela minha seguradora). E cinquenta euros por meio dia de trabalho desperdiçado no vai-vem burocrático entre os serviços legais inerentes a qualquer acidente de viação (telefonemas entre seguradoras, clientes, peritos e mecânicos).

Por contabilizar fica o valor da despesa de um pára-choques traseiro (a determinar pela seguradora do veículo assumido como culpado), o custo de um processo civil ao Estado por consentir que um cidadão com evidentes dificuldades motoras possa conduzir (apesar de apto para conduzir, o cidadão não conseguiu preencher o acordo amigável por mão própria), e ainda uma consulta de urgência num hospital central (cortesia ADSE), com direito a raio X a um bebé de cinco meses (a minha filha). O que falta cobrar? Milhares de euros pelos danos morais e patrimoniais provocados a todos os cidadãos de Lisboa que são impedidos de circular pelas vias normais de trânsito cada vez que a autarquia se lembra de transformar a Baixa da cidade em parque de jogos. Isto acontece sistematicamente aos domingos, com inexplicáveis festividades lúdicas e radicais-livres na Praça de Comércio, e começa a tornar-se enjoadamente repetitivo aos sábados, quando a cidade é arrendada (direi mais: licitada) a qualquer serviço de animação cuja actividade pareça ser nobre, justa ou apenas saudável. No passado sábado, a culpa foi de mais uma pequena maratona...

Exmo. Sr. Presidente da Câmara, Dr. António Costa, a cidade de Lisboa não respira saúde, está doente, por isso dispensa grandes correrias. Uma maratona não a salva, apenas sufoca o seu fluxo normal, é alegria mal-disfarçada, um placebo genérico. A Praça do Comércio fechada ao trânsito e aberta a meia-dúzia de malabaristas não fará dela mais animada. O que faz é afectar o centro nevrálgico e a coluna dorsal da cidade (cobrando indevidamente os automobilistas). Não percebo a lógica de se fechar a Baixa ao trânsito para exequibilidade do programa das festas na Praça do Comércio, quando depois se comete o absurdo de manter a Rua Nova do Almada e Garrett, duas vias assumidamente pedonais, como corredores de trânsito. Sem coabitação, não há cidade. De que adianta abrir a cidade às etnias, gerir a diferença e a tolerância, quando Lisboa é incapaz de interpretar os próprios comportamentos, de gerir os recursos e instrumentos? É tão grande a violência de ver automóveis estacionados nos passeios como é patética a invasão pacífica do asfalto pelo transeunte. Por isso, se V.Exa. aceitar uma sugestão, comece por orientar as massas: recupere os jardins de Lisboa, a Praça da Alegria, o Torel, o Jardim Botânico, a Bela Vista e por aí fora. Ponha lá umas pessoas, instale uns baloiços, inaugure umas esplanadas. Vai ver que elas se distraem e iludem esta tristeza capital.

Miguel Somsen


In Metro

1 comentário:

Miguel Carvalho disse...

Já agora o senhor Miguel Somsen também me deve dinheiro... e muito.